“Vocês já viram um comprimento de onda?” — dizia o maestro Jorge Antunes, mostrando um lápis girando sobre um disco de vinil. Assim começou minha admiração por ele, um pouco antes dos anos 2000, na Faculdade de Música da Universidade de Brasília. Em outra aula, ele nos levava para fora da sala, próximo a um paredão da biblioteca, e usava uma trena e palmas para calcularmos a velocidade com que o som chega aos nossos ouvidos. Todas as suas aulas eram curiosas e surpreendentes.
Meu pai já havia me falado sobre ele: “Jorge fez uma sinfonia de buzinas!” — referindo-se à Sinfonia das Diretas, de 1984, na qual o maestro reuniu cerca de 300 carros previamente organizados por altura (nota) de buzina, além de coro, sons eletrônicos e alunos de regência da universidade, que ficaram posicionados em diferentes setores para levantar placas indicando a hora exata em que os carros deveriam “tocar”. Todos esses elementos, reunidos no centro de Brasília, diante de um público de 30 mil pessoas.

Jorge Antunes( foto), é amplamente reconhecido no meio erudito por suas obras, mas especialmente por sua ópera Olga (Benário Prestes), em que combina elementos tradicionais de orquestra e coro com música eletroacústica — incluindo gravações históricas, ruídos e sons experimentais. Por seu conteúdo crítico, a obra enfrentou barreiras políticas e falta de apoio, levando 12 anos para ser concluída e estreando apenas sete anos depois, em 2006, no Teatro Nacional de Brasília.
Com o tempo, fui me aproximando mais de seu trabalho e, entre suas muitas criações, fui convidada a participar de seu primeiro projeto de Ópera de Rua — Auto do Pesadelo de Dom Bosco. Nessa obra, ele continuou a levar a crítica política por meio da junção entre música clássica e eletroacústica, promovendo acessibilidade a esse estilo musical para pessoas comuns que circulavam pelas ruas. Mesmo atarefadas, muitas paravam para conhecer esse estilo “curioso” de música, tão diferente daquele que costumam ouvir nas rádios ou em outros meios tradicionais.
Depois dessa obra, ainda criou outras óperas de rua, como Olympia ou Sujadevez e Exfakeado, todas disponíveis no YouTube.
Escrevo aqui não apenas para expressar minha admiração por esse grande artista — um visionário brasileiro, doutor e reconhecido internacionalmente entre os músicos mais renomados da atualidade —, mas também para destacar sua obra mais recente: MARIELLE.
Marielle Franco foi assassinada em 2018 por sua trajetória política de resistência ao racismo, sua luta por igualdade social e de gênero, e pelas denúncias contra abusos policiais. Sua história como defensora dos Direitos Humanos, identificada com os pensamentos sociais de Jorge Antunes, serviu de inspiração para mais essa grande e polêmica obra, que estreia nesta sexta-feira, dia 25, no Teatro Sesc Newton Rossi, em Ceilândia (DF), com entrada gratuita.
Compareçam!
Renata Tavares Linhares Cabidelli














Sensacional. Quando um artista fala de outro, a gente percebe a alma cantando. Parabéns, querida! Belo texto.
Informações importantes e difundindo temas tão sensíveis, artistas como Jorge Antunes não são conhecidos da população.
Bela crônica.