É estranho – e profundamente simbólico – escrever isso agora. Em tempos de farmácias saqueadas por promessas de emagrecimento rápido, de corpos desaparecendo em timelines filtradas, de magreza vendida como redenção moral, de shakes que substituem comida, prazer e pausa, “Porca Gorda”, um livro que nasce justamente desse corpo que sobra, que incomoda, que é alvo, foi eleito um dos melhores do ano pela revista O Odisseu.
Não é pouca coisa.
Não é só sobre um livro.
É sobre quem pode existir e ser lida sem pedir desculpa.
“Porca Gorda” foi escrito do lugar da recusa. Da recusa em caber. Da recusa em me odiar para ser aceita. Da recusa em tratar meu corpo como um erro de cálculo. Ele nasce da urgência, da memória, do desejo, da raiva organizada em linguagem. É uma escrita que não pede licença, porque o corpo que a escreve nunca teve permissão mesmo.
Enquanto a indústria da magreza movimenta bilhões, normaliza a fome, romantiza o adoecimento e chama isso de “estilo de vida saudável”, um livro sobre gordofobia, erotismo, violência e rebeldia corporal ser reconhecido é quase um pequeno desvio no sistema. Um erro bonito. Uma fresta. Um corpo atravessando a porta sem abaixar a cabeça.
Ser celebrada nesse contexto não apaga os traumas, mas cria outra coisa: tempo. Tempo para respirar. Tempo para continuar. Tempo para lembrar que existir no corpo que se tem já é, por si só, um gesto político.
Escrevo isso dividindo com vocês, que leem, que respondem, que se reconhecem, que discordam, que atravessam comigo, porque nada disso é solo. Corpo é coletivo. Texto também.
Seguimos devagar, no sapatinho, mas sem parar.
Corpo é movimento. Movimento é encruzilhada.
E que nessas encruzas a gente siga se lendo, se escolhendo e se desejando.
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