Era o dia do meu aniversário, em maio. Eu cantava os parabéns com meus netos fazendo, como sempre, uma parada obrigatória para estar com eles. Estávamos a uns 700 km da nossa cidade, Porto Alegre. A cidade que escolhemos para viver, eu vinda do interior do Rio Grande do Sul e meu marido, de Niterói, no Rio de Janeiro. Nos encontramos pela primeira vez em um parque de Porto Alegre e, de lá pra cá, caminhamos juntos, sem cansar, por muitos parques. Porto Alegre tem muitos. É uma cidade arborizada, ficando lindamente florida na primavera. Gosto de Porto Alegre, suas avenidas com árvores cheias de flores, seus corredores de ônibus que levam a gente, de forma mais rápida, pra todo canto. O centro histórico é uma joia, a gente não se cansa de andar entre os prédios, passar pela rua da praia (que hoje não leva a nenhuma praia!), o Gasômetro, a casa de Cultura Mário Quintana, a catedral, o Mercado Público. São tantos lugares cheios de história e lembranças que não consigo listá-los, certamente esquecerei algum. Gosto do povo “de Porto”, como a cidade é carinhosamente chamada pelos nativos. É uma capital eclética, onde convivem tribos de todo tipo. Vida cultural intensa, orgânica! Um mundão de gente toma chimarrão à tardinha à beira do Guaíba, cujo pôr do sol concorre com os mais lindos que já vi. A orla, especialmente aos fins de semana, se enche de corredores e caminhantes. É uma marca da cidade, uma barbaridade de gente que gosta de fazer caminhadas. A vida pulsa à beira do Guaíba. E foram as notícias do rio que apagaram o entusiasmo da comemoração do meu aniversário junto aos meus netos. Em todos os canais, rádios, portais, só se ouvia falar de Porto Alegre, da linda cidade e de seu rio. Era a grande enchente de 2024 que começava.

Uma tragédia que durou um longo tempo, seus efeitos são sentidos até hoje. Dali em diante, por quase dois meses, a dor, o sofrimento, o desespero da população eram compartilhados nas redes sociais. O Brasil inteiro acompanhava e se solidarizava com o Rio Grande do Sul, onde havia cidades inteiras alagadas! Por todo canto onde passávamos, víamos algo referente à enchente do sul. Caixas para coletar doações que os correios se responsabilizaram por distribuir. Pedidos de ajuda em igrejas, bancos, organizações de todo tipo. Vimos muitos cartazes em pequenos mercados, pelo litoral brasileiro afora onde andávamos, estimulando os clientes para comprarem produtos gaúchos. Estes eram separados nas prateleiras. Se houve algum conforto naquele período foi ver a solidariedade dos demais brasileiros para com o povo gaúcho. E a nossa Porto Alegre alagada! O rio Guaíba não deu conta de escoar suas águas para o mar, a orla sumiu, o centro histórico virou extensão do rio. E ficaram debaixo d’água os prédios, os shoppings, os parques, vários bairros da cidade mergulhados nas águas que depois viraram lama e montanhas de entulhos. E sofrimento, e desespero, e mortes! Víamos pelas imagens as ruas do centro navegadas em barcos, lojas submersas, gente sendo retirada dos seus apartamentos de segundo ou terceiro andar, de barco, em lugares jamais alagados. Abrigos sendo estruturados às pressas, com milhares de pessoas em cada um. Imagens que ficaram colados na retina e no coração. Corredores de gente descarregando mantimentos dos barcos que chegavam aos montes em Porto Alegre. Gente comum, vizinhança improvisando todo tipo de ajuda. E nós, morando Brasil afora, vendo paisagens lindas, praias de mar azul que, na época, sofriam com a seca, gado magro, vegetação morta. A natureza compensando o aguaceiro do sul. Na nossa casa grande não houve inundação, a utilizamos para dar algum suporte de água e energia para quem precisou. Mesmo de longe procuramos ajudar do jeito que deu. Roupas de cama, travesseiros, toalhas da casa grande foram doadas. Só soubemos exatamente o que foi doado quando, de volta em Porto Alegre, exploramos as gavetas e armários. Porto Alegre ficou feia e triste por longo período. Uma tragédia que acompanhamos de longe, a natureza mandando água além do suportável, alertando para as mudanças climáticas que estamos vivendo. E os governantes da cidade que não fizeram a manutenção adequada das bombas para ajudar o rio Guaíba a escoar sua água! E os imensos recursos públicos que foram aportados ao Rio Grande do Sul, muito pouco divulgados ou não utilizados adequadamente! E as pessoas que ganharam muito dinheiro com o sofrimento da população! E os que encheram as redes sociais com mentiras para promoção pessoal! E…E…













Élida concordo com tudo que escrevestes e acrescento que o pior foi navegar pelas ruas da cidade em busca de sobreviventes e pessoas que precisavam de ajuda para sair de suas casas…
Acredito que foi um aviso do clima para que nos adaptemos as novas demandas e nos empenhemos a prevenir desastres ou amenizar o que tem acontecido em nossa terra como foi a chuva de pedra em Erechim ontem que deixou a cidade devastada.
Acredito que a humanidade precise desacelerar o aquecimento através da prevenção e do uso racional de combustíveis fósseis.
Espero que teu texto sensibilize as pessoas
Abraços
Obrigada pelo comentário. É inacreditável que o aquecimento global ainda seja negado! A terra está pedindo socorro…
Elida,primeiro quero dizer que foi muito bom te conhecer.
A sua liberdade de alma nos dar a certeza que é possível ser feliz com muito pouco.
A enchente do Rio Grande do Sul veio pra tocar em muitos corações, cada pessoa tem sua lição pessoal, e nos todos juntos devemos apenas pedir a Jesus misericordioso que nos conduz pela senda do perdão e da sua infinita misericórdia
Amém! E obrigada querida por estar juntinho também aqui no Exempplar! Sigamos juntas!
Foi uma tortura para muita gente viver de favor em casa de parentes, em abrigos e muitas fugiram para o litoral. Fomos muito amadores ao lidar com as mudanças climáticas, já que enchentes muito impactantes nos atingiram em 2023. É necessário tirar um aprendizado, reconstruir nossas cidades muito mais bem planejadas
As mudanças climáticas estão demonstrando que a terra está pedindo socorro! Precisamos ouvi-la…
Obrigada pelo comentário.
O fracasso da COP 30 em Belém mostra que não conseguimos tirar um aprendizado com os desastres climáticos. A lógica do lucro e do Capital prevaleceu mais uma vez, mesmo com expoentes do Ambientalismo no poder (Marina Silva no Meio Ambiente). Não se chegou a um acordo, mais uma vez, sobre o fim dos combustíveis fósseis, uma lógica do lucro desmedido
Continuemos na luta, parceiro! Que bom que estás aqui no Exempplar!
Nunca será demais relembrar a tragédia climática vivida no Rio Grande do Sul em 2024. E em final de COP ainda mais oportuno. Constatamos qua tanto quanto as águas e o barro invadiram nossas ruas, há o mesmo em algumas mentes que teimam em negar o inegavel e remetem o planeta e a vida de volta ao barro. Elida descreve bem o que vivemos para quem sabe ser mais uma voz a tentar o que parece quase impossível nesse torpor negacionista.
Nem a sucessão de tragédias é suficiente para sensibilizar os insensíveis quanto ao aquecimento global! Obrigada pelo comentário!
Amiga, teu texto me arrepiou do início ao fim.
Senti cada palavra como se eu estivesse ali contigo — celebrando o aniversário com o coração leve e, de repente, recebendo aquela notícia que mudou tudo. A forma como tu descreves Porto Alegre, com tanto carinho e tanta verdade, faz a dor dessa tragédia bater ainda mais forte em mim.
Reviver 2024 através dos teus olhos mexeu profundamente comigo.
A cidade que a gente ama, que guarda tantas histórias, tantas lembranças… ver tudo aquilo submerso, arrastado, silencioso, foi como perder um pedaço da gente também. E tu traduziste essa sensação de um jeito que machuca, mas também honra quem sofreu e quem ajudou.
Obrigada por dividir algo tão real e tão teu.
Teu texto me atravessou — e vai ficar comigo.
Abraços
Gina Hickmann
️
Que lindo comentário, Gina! Agradeço muito! Forte e delicado…que bom te ter pertinho aqui no Exempplar!
Muito necessário esse alerta!!
Para não esquecer! Obrigada pelo comentário!
Sofrimentos, mortes. Essa inundação não pode ser esquecida e providências devem ser tomadas diariamente para que não ocorra novamente na mesma proporção. Não acredito em aquecimento global. Não que não possa ocorrer, mas o ser humano nada altera no macro, nem mesmo com seu comportamento destruidor. As nossas condutas sadias podem melhorar o nosso redor, até com conforto térmico, mas não o clima mundial que pode até mesmo transformar tudo em gelo. Apesar desse entendimento, creio que essa enchente poderia ter causado menos estrago com a interferência prévia do homem.
Obrigada pelo comentário!
Excelente texto…! o olhar sobre a cidade, na sua versão poética e na sua versão trágica, me impressionou e me comoveu. É tudo isso que tu falaste…
Beijos para ti e para Gilberto! Boas andanças para vocês!
Obrigada querida! E continua aqui no Exempplar. Tem crônica nova toda a semana…
Essa tragédia podia ter sido evitada… E ainda hoje, soube que as bombas continuam sem manutenção, reparo e as políticas públicas para prevenção não são prioridades desse governo estadual e municipal. A negação leva ao erro, à fatalidades irreversíveis.
Triste realidade!
Obrigada por estar aqui no Exempplar, querida amiga!
Um dos momentos mais difíceis do nosso Estado e apesar de tantas ingerências sobre esta catástrofe, nosso povo mostrou a força da solidariedade. Parabéns pelo texto!
Obrigada pelo comentário! Siga juntinho aqui no Exempplar!
Muito triste! Mas não podemos esquecer para refletirmos sobre todas as situações que estão acontecendo no RS, Brasil e no mundo.
Excelente texto, lembro bem que a gente comentou sobre isso quando vcs passaram por aqui e batemos um longo papo.
Muito triste o que viveu a população de Porto Alegre