Flávio Roscoe Nogueira, presidente do Sistema Fiemg
A sociedade brasileira paga hoje alto preço pela omissão do governo na realização das reformas estruturais necessárias para garantir competitividade à economia nacional. Pagaremos preço ainda mais elevado se elas não forem feitas agora, quando a eleição de novos governantes e novos congressistas nos oferece a oportunidade de fazer grandes mudanças. Embora os desafios sejam muitos, a sociedade brasileira não pode vacilar. É preciso coragem e determinação. É preciso pensar no país e nas gerações futuras!
Embora muitos insistam em distorcer a realidade, a verdade é que não se trata de nenhuma “escolha de Sofia”. A morosidade na tramitação das reformas e os sucessivos recuos das lideranças políticas no momento de aprová-las são consequências da utilização de argumentos falaciosos, dissimulados sob o manto dos chamados “direitos adquiridos”.
Esse é o ponto e é também a pauta que a sociedade brasileira precisa abraçar com entusiasmo, coragem e determinação. Quando falamos na necessidade imperiosa de fazermos já a reforma da previdência, estamos falando na eliminação de “direitos adquiridos” ou, na verdade, estamos falando de um absurdo rol de privilégios bancados pela maioria da população e que beneficiam uma pequeníssima parcela de “privilegiados”.
A reforma da previdência pública, a mais urgente a ser feita, é o melhor exemplo de “privilégios adquiridos”. Enquanto no setor privado a média das aposentadorias pagas pelo INSS é de R$ 1.659 (dados de 2014), no serviço público chega a R$ 7 mil (Executivo), R$ 18 mil (Ministério Público), R$ 26,3 mil (Judiciário) e R$ 28,5 mil (Legislativo). O teto das aposentadorias segue o mesmo padrão: máximo de R$ 5.530 na iniciativa privada e até mais de R$ 30 mil no setor público.
Costumo dizer que a legislação previdenciária brasileira corresponde, na prática, ao maior programa de concentração de renda do planeta. Além da disparidade no valor das aposentadorias, conforme demonstrado, há ainda mais. No INSS, 25 milhões de aposentados e pensionistas produzem um déficit de R$ 46,8 bilhões – R$ 151,8 bilhões quando incluídos os aposentados do setor rural, que nunca contribuíram com a previdência. No serviço público, 2,878 milhões de funcionários (oito vezes menos do que no setor privado) custam R$ 133,4 bilhões.
Além da desigualdade, que não se pode admitir, também matematicamente essa conta não fecha. Em razão de mudanças no perfil etário da população, o Brasil perde aceleradamente o chamado “bônus demográfico”, caracterizado por ter uma parcela maior de população jovem. Hoje, o número de aposentados cresce a um ritmo de 3,5% ao ano, enquanto a população em idade de trabalhar cresce anualmente apenas 0,7%. Ou seja: no final das três próximas décadas – em 2037 -, teremos 6% a menos de pessoas trabalhando e 250% a mais de aposentados recebendo da previdência social. Não haverá dinheiro para pagar “direitos adquiridos” e, muito menos, “privilégios adquiridos”.
As inaceitáveis disparidades na legislação previdenciária do setor público e no regime de contratação dos servidores levam a outra distorção igualmente perversa – a hipertrofia do Estado. Em artigo recentemente publicado neste espaço, mostrei que, de suas despesas primárias em 2017, o governo gastou 48% com a previdência social e outros 22,2% com pessoal e encargos, totalizando 70% dos desembolsos da União. Gastos sociais, apresentados à opinião pública como vilões do orçamento, ficam com a menor parte: Bolsa Família (2%), Educação (3%) e Saúde (7%). Se a questão da previdência não for resolvida com urgência, nem esses pequenos percentuais teremos no futuro.
Com tanta conta a pagar, de legitimidade absolutamente discutível, o Estado avança sobre o bolso dos cidadãos e sobre o caixa das empresas, criando uma das maiores cargas tributárias do mundo e tornando-se maior do que a própria sociedade a quem deveria servir. Hoje, de toda a riqueza produzida no país, 33,7% (carga tributária) são gastos pelo governo, que ainda tem que refinanciar os pagamentos de juros da ordem de 6% do PIB, elevando continuamente a dívida pública que já chega a 77,2% do PIB. O governo gasta muito e gasta mal.
O gigantismo do Estado – e dentro dele questões dramáticas, como a reforma da previdência e reforma tributária, que são igualmente estratégicas e urgentes – é um desafio que a sociedade brasileira precisa enfrentar e que só ela será capaz de resolver. Com a mesma energia com que foi às urnas para dizer que não admite mais práticas antigas e viciadas, deve seguir adiante, mobilizada e engajada, para reafirmar que também exige mudanças e que não admite governos e governantes que usurpem a sua soberania. A sociedade somos nós. Todos nós!