Flávio Roscoe
Uma combinação perigosa ameaça a indústria brasileira e pode jogar por terra o êxito de importantes acordos internacionais de comércio que vêm sendo firmados de forma positiva e promissora para o país. A receita para a perda da competitividade do setor produtivo nacional decorre da danosa sinergia que une o que batizamos de “custos ocultos” – uma infinidade de normas e obrigações que só existem no Brasil – e a eventual redução unilateral das tarifas dos impostos incidentes sobre as importações, cuja possibilidade vem sendo aventada de forma extemporânea e inoportuna. É preciso deixar claro: a abertura comercial é necessária, sim, mas sua implementação exige cuidados.
É necessário considerar o recente acordo Mercosul/União Europeia, assinado em julho passado, englobando 32 países dos dois blocos, e o possível acesso do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses são movimentos que sinalizam, enfaticamente, que o país se abre e se integra cada vez mais ao comércio global. E o faz da forma mais saudável possível, por meio de acordos que consideram os reais interesses do país, de sua economia e de suas empresas. Por conta deste novo cenário, diversos países importantes no comércio global têm procurado o Brasil e o Mercosul, expressando interesse em negociar acordos semelhantes que, agora, podemos tratar em condições mais vantajosas e soberanas. É absolutamente desnecessária, portanto, a redução unilateral das tarifas, que só prejudica o país e suas empresas.
De fato, após o entendimento com o bloco europeu, o Mercosul já assinou mais um importante acordo com os países da Área Europeia de Livre- Comércio (Islândia, Suíça, Noruega e Liechtenstein). Além disso, em estágio avançado de tratativas, e com perspectivas de fechamento já no próximo ano, estão as negociações com México, Canadá, Coreia do Sul e Cingapura, todos de grande relevância no comércio mundial. Ainda em estágio preliminar, mas com perspectivas igualmente promissoras, estão as negociações com os Estados Unidos e o Japão.
Ao contrário deste caminho saudável e promissor, de acordos em bloco ou bilaterais, no processo unilateral de redução de tarifas, o país que o adota, sem ganhar nada em troca, abre mão de defender os interesses de sua economia, de suas empresas, desiste de conquistar fatias importantes nos grandes mercados mundiais e, no extremo, entrega o seu próprio mercado aos produtos estrangeiros.
Na verdade, contrariamente ao que se propaga, o grau de abertura comercial da economia brasileira é muito expressivo. Atualmente, 22,4% dos produtos consumidos no país são importados, assim como 27% dos insumos utilizados pela indústria nacional. Nesse contexto, não faz nenhum sentido reduzir, unilateralmente, as tarifas de importação, especialmente considerando o crescente interesse de países de todas as partes do mundo em firmar acordos com o Brasil.
Estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) adverte que, até 2022, o corte repentino de 50% no imposto de importação – esse é o percentual proposto pelo Brasil à Argentina, Paraguai e Uruguai, seus parceiros no Mercosul -, reduzirá o PIB de pelo menos 10 dos 22 setores da indústria brasileira. São evidentes e intensos, portanto, os impactos sobre a retomada do crescimento econômico e sobre a geração de empregos, o que é dramático em um país com mais de 12 milhões de desempregados. A redução unilateral e abrupta das tarifas de importação pode até mesmo quebrar setores menos competitivos da indústria. Ao contrário, com os acordos comerciais já assinados e os que devem ser firmados em futuro próximo, as empresas ganham prazos de até 10 anos para se adequar ao livre-comércio.
Outro argumento que desaconselha a redução unilateral de tarifas é a situação das empresas brasileiras, sufocadas por “custos ocultos” – na verdade “impostos ocultos” -, que só existem no Brasil. São encargos e obrigações acessórias, cotas de aprendizes e treinamentos, autorizações, licenças e outorgas ambientais, além de um cipoal de impostos que obrigam a indústria nacional a investir muito mais tempo do que o necessário em atividades-meio que oneram a produção. São, todos, “impostos ocultos” que impactam a competitividade da empresa brasileira, uma vez que os concorrentes internacionais não estão sujeitos a nada parecido. Embora não incidam diretamente nos custos de produção, eles afetam diretamente as empresas, que são obrigadas a bancar programas sociais necessários e justos, mas que são de responsabilidade do próprio governo e devem ser bancados com a já elevada carga tributária vigente no país. Estudos realizados pela Fiemg mostram que os “impostos ocultos” oneram em até 17% os custos de produção das empresas.
Assim, a efetivação de acordos comerciais e a desoneração dos custos que incidem na produção atendem plenamente aos objetivos de promover a concorrência leal entre a indústria brasileira e a de outros lugares do mundo. No entanto, se o governo adotar a redução unilateral das tarifas, sujeitará as empresas brasileiras a condições desiguais de competição, tendo como resultados aumento do desemprego, queda na renda e falência de indústrias. Para a própria União, significa abrir mão de aproximadamente R$ 60 bilhões em arrecadação de impostos de importação, o equivalente a 45% da meta de déficit primário previsto para 2019.
Neste momento em que o Brasil começa a respirar e a dar sinais de recuperação econômica, pautada pela inflação controlada, redução da taxa básica de juros, lei da liberdade econômica, reforma da Previdência e, para frente, as reformas tributária e administrativa, tudo do que precisamos é de tempo e tranquilidade para investir e empreender, gerando oportunidades. E tudo isso, no comércio exterior, só vamos conquistar com acordos comerciais. Jamais com a redução unilateral de tarifas.
Flávio Roscoe
Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Sistema FIiemg)