O TREINO NOSSO DE CADA DIA

Somos idosos. Quem lançou a ideia de que o envelhecimento é a “melhor idade” com certeza é jovem, não sentiu ainda esse período da vida tomar conta do seu corpo e da sua alma. Compartilho da concepção de que envelhecer é cumprir uma etapa da vida como outras tantas. A cada etapa é preciso compreender as transformações e viver com elas o mais confortavelmente possível. É o que procuro fazer. É o que temos, ou é o envelhecimento ou é a morte. Ainda fico com a primeira opção. Mas que essa tal velhice nos exige muito do corpo, da mente e da alma, isso é verdade! Com relação às emoções, acho que a proximidade natural com a morte é assustadora no início. É preciso repensar a vida na terra para acalmar o coração e viver simplesmente. Essa é uma discussão infinita, depende das concepções de vida e morte que todos temos, configuradas especialmente por dogmas religiosos, crenças ou pela ausência deles. Neste momento reflito sobre as transformações físicas que a idade nos impõe e os esforços que temos que fazer para conviver bem com elas. Não brigo, não quero escondê-las, simplesmente carrego minhas deformidades, dores e restrições físicas como parte de mim e pronto. Também não gosto de rugas e flacidez da pele, mas hoje não dou conta de falar sobre elas, tenho preguiça. Só dou jeito de manter o corpo em atividade, circulação e articulações funcionando segundo a brilhante ideia de que “o corpo é como carro, se ficar parado na garagem, enferruja!” Acrescento que trava tudo! Sempre fiz atividade física, quando jovem até jogava vôlei, já nadei, fiz yoga, tudo porque a deformidade da minha coluna sempre exigiu. Nunca frequentei academia, aquele cenário da malhação, do desfile de bombados, dos músculos inflados por proteínas, dos peitorais e bundas desenhados, está a anos-luz da minha vida, aliás, sempre esteve. Nem reconheço as fotografias de grandes e movimentadas academias, não fazem parte dos meus registros ou sonhos. O que sempre fiz, mantenho no envelhecimento. Me cuido com atividade física regular, orientada por profissional, caminhadas e alongamentos. Massagens relaxantes são mágicas para os nômades como nós, que ficamos muito tempo sentados, andando pelas estradas. Temos um professor de educação física que nos acompanha on line.

É o nosso querido profe. Eu comecei primeiro, ele está comigo há mais de 10 anos, meu marido começou depois. Fazíamos o nosso treino de forma presencial e na pandemia nos acostumamos com o treino orientado à distância. Atualmente nosso profe está no Rio de Janeiro e nós em algum lugar por aí. Duas vezes por semana ele nos chama. É muito disciplinado, nunca falta, jamais “meteu atestado”, o que nos obriga a fazer o mesmo, embora tenhamos vontade de vez em quando. Carregamos conosco alguns pesos, faixas elásticas, bola pequena e tatame. É o suficiente para nós. O profe nos cuida na realidade, eu sinto assim. Organiza nossos treinos, adapta ao local onde estamos, registra e acompanha nosso desempenho. Monitora nossas dores, quer sempre saber quanto tempo dirigimos, o quanto caminhamos, se ficamos muito tempo sentados, e tudo o que possa interessar para que o funcionamento das nossas engrenagens corporais se mantenha o mais suave possível. É bem isso, com o avançar da idade, o corpo vai enrijecendo, os movimentos vão perdendo a fluidez, as atividades cotidianas passam a ficar cada vez mais difíceis, vem o cansaço e a preguiça. Tudo fica mais lento! Contra isso lutamos todos os dias. É preciso nos mantermos em movimento. É o que temos feito. Procuramos manter a alma “lubrificada” com novos encontros, novos afetos, novos amigos. O treino nosso de cada dia se encarrega de manter o corpo também lubrificado. Não temos a intenção de adquirir musculatura ou melhorar funcionalidades, se não as perdermos, já é muito! Estamos superando dores, cansaço, rigidez das articulações, dia após dia. As pessoas dizem que estamos muito bem, que não parecemos a idade que temos. Acho que o nosso empenho e a dedicação do nosso profe são os responsáveis por isso. Quando dizemos a nossa idade e ouvimos “nossa, sério? Não parece!” Fico bem exibida, fico me achando! Será verdade ou temos cruzado com muitas pessoas delicadas? Eu não sei, prefiro não olhar muito no espelho para conferir…