
Quem varre a sua calçada varre o mundo?
Aprendi, observando um amigo. Sempre que o visito, lá está ele, com vassoura nas mãos, limpando o passeio e a calha da rua em frente ao seu trabalho. Percebo que ele não tem fronteiras, pois está sempre avançando sobre as calçadas vizinhas e recolhendo também o seu lixo, suas impurezas e dejetos. Quantas lições estão escondidas neste simples gesto, nesse vai e vem de vassoura na luta diária de colocar “as coisas em ordem”! Mas, o que será que realmente ele limpa? O que realmente aparenta estar empoeirado!?
Nas vezes em que estive observando, pude perceber que ele parece conhecer outros tipos de impurezas, manchas profundas, difíceis de serem removidas de uma só vez, em uma só vassourada – as misérias humanas. Por lá, onde ele varre, passa toda espécie humana, que traz, assim como o vento, suas impurezas e restos de vidas.
Quando as pessoas chegam, se aproximam e começa logo o diálogo. Ele, simplesmente pára de varrer a calçada para, talvez, num gesto de carinho começar a varrer, gentilmente, o mundo e a alma humana. Não numa atitude de quem está limpo e purificado, mas como quem conhece o sofrimento humano e as suas angústias. Como um gari, sabe de sua missão e de sua tarefa, quando solicitado. Quando permitido, varre, ajunta e recolhe cacos, pedaços e impurezas que estavam obstruindo corações, convivências e relações.
Observo que ele não retira apenas as sujeiras aparentes, aquelas que todos vêem e passam por cima. Seu trabalho é mais cauteloso; afinal, são vidas humanas que passam todos os dias pelo seu passeio, pela sua vida. Sabe que precisa atuar mais a fundo e remover sujeiras profundas, muitas vezes, petrificadas. Varre onde a vassoura tem dificuldade de alcançar. Insiste. Varre os cantos, as gretas, as frustrações, as ilusões e os medos.
Quantas vezes no dia e quantas vezes no ano ele repete esse mesmo gesto? Varre simplesmente? Não. Varre com a simplicidade de quem está tentando deixar o seu passeio mais bonito, o mundo melhor e as pessoas mais felizes. Varre como quem varre todos os dias as mesmas coisas, as mesmas impurezas, os mesmos restos de sujeiras que parecem teimar em permanecer impregnadas, no passeio, no corpo, na alma, na vida.
Limpa-se e a impureza insiste em voltar, em residir, além da aparência, nas entranhas. Limpa-se e, de repente, num piscar de olhos, a sujeira está lá, de onde parece nunca ter saído. Um deslize e pronto: tudo pode ficar como antes, ou mesmo pior. Quanto se trata de almas, limpa-se e recomeça-se com o mesmo entusiasmo e a mesma perseverança. É preciso limpar sempre, com paciência e esperança. Insistir no esforço, na luta, na varredura da limpidez da alma.
Quem varre o seu passeio sabe que varre o mundo. Livra-se hoje do que se livrou ontem e sabe que tem de se livrar amanhã. O meu amigo não briga com a sujeira e nem com quem suja, apenas limpa. Não limpa com resignação, mas com a certeza de quem, no esforço de deixar pessoas felizes, constrói um mundo melhor e, conseqüentemente, ganha um passeio mais bonito e mais humano.
O meu amigo, ao varrer a sua calçada, se coloca de frente e perto de quem passa por lá. Muitos param e permitem uma faxina no coração. Outros, ao passar, saúdam-no e deixam a pressa os levarem. Há aqueles que apenas cumprimentam e vão embora. Outros, ao passar, comentam algo e deixam seus rastros. Muitos nada falam, nada comentam, nada percebem, apenas passam.
No passeio do meu amigo tem sujeira, mas para ela tem vassoura e a paciência diária de quem varre. No passeio do meu amigo passam pessoas, mas para elas, quando precisam, há um amigo.
No passeio do meu amigo o mundo passa.
Antonio Trotta – Jornalista, escritor e poeta
@atrottamg














Incrível! Limpando as mazelas do mundo,com simplicidade,leveza e muita gratidao
Varrer e limpar a alma. Deixar a vida pronta. Leveza e paz.
Que possamos nos juntar, em um grande mutirão para limpar e manter limpo mentes e espaços físicos e sutis
Um grande mutirão em prol do bem e da humanidade. Todos varrendo.
Que relação com a vida que você trouxe…
Sim. A vida está ligada a tudo e tudo pode gerar vida. Vamos vassorando. Kkk
Que lindo! Gari de calçadas e de almas.
Bela expressão: Gari de calçadas e de almas. Lavar de todos os males. Viver livre e leve.
Adorw
Grato. Vamos varrer. Cuidar.
Por trás de cada visivel há sempre o invisivel! Quem suja, quem limpa, quem simplesmente passa, o que realmente acontece no que vemos e no que não vemos! Precisamos desenvolver nossa percepção para o mais sutil, atravessar os véus!
Sim. A missão é limpar a alma e cuidar da vida.
Gostei da analogia, sujeira interior com a sujeira exterior.
Porém tem sujeira que nem a morte retira!
Parabéns Trotta
O importante é varrer sempre. Passar a vassoura e deixar a alma mais leve possível.
Enquanto efetuamos uma atividade que passa despercebida por muitos e, que na verdade os mais novos não praticam mais, esse amigo e tantos outros fazem essa nobre ação de limpar a sujeira literal e também as impurezas da alma doe tantas pessoas. Um trabalho que sempre será nobre. Duas limpezas extremamente importantes. Quanto a ternura da ação, bem, essa é imensurável.
Parabéns Trotta, pela sensibilidade de sempre!
Grato. É sempre bom limparmos de tudo o que nos impeça de vivermos felizes. Afinal, foi para isso que varremos a alma e a vida. Grande abraço.
Lindo texto e verdadeiro.
Quando estou chateada, costumo limpar e arrumar minhas gavetas.
Quando termino e vejo tudo em ordem, me sinto feliz, como se tivesse arrumado por dentro também.
Um abraço Trotta!
Grato. São formas de deixar tudo em ordem, né?! Um lado ajudando o outro para deixar tudo em organizado. Pondo ordem na vida.
Seu texto revela uma delicadeza rara: transforma o simples ato de varrer em um gesto de humanidade profunda. Você nos lembra que limpar o mundo começa dentro…na paciência, na escuta e na constância do coração. Lindo demais Xeeeeeero