VIDA VIAJANTE

…amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui. Repare naquela estrada que distancia nos levará! As coisas que eu tenho aqui, na certa terei por lá…
Abro essa coluna com um trecho da música de Dominguinhos, “Quem me levará sou eu”, um de meus hinos preferidos sobre a vida, que tenho por hábito ouvir na voz de Fagner ou do próprio autor por crer fielmente nesses encontros ao acaso pela vida e que por tantas vezes me trouxeram grandes amigos e locais maravilhosos por onde passei.
E com a autora desta nova coluna do jornal exemplar não foi diferente. Nos encontramos por acaso pela vida e chamou –me atenção o anúncio de seu livro TRILHANDO VIDA, quando parei para adquiri-lo e fui prontamente atendido por seu companheiro Gilberto, às portas de um Motorhome. Do livro à empatia com o casal foram segundos e da leitura do livro ( que aliás recomendo) ao convite para essa coluna mais rápido ainda. E agora a imensa alegria e satisfação de trazer seu trabalho aos nossos leitores, reforçam ainda mais a nossa crença na letra da canção acima citada.
E tenho certeza de que suas crônicas irão agradar muito. Maria Élida Machado, autora das crônicas desta seção escreve com a alma e com a leveza de quem conhece a alma humana. Uma linguagem direta, simples e envolvente que passa a idéia de uma pessoa que conhece bem as fronteiras da vida os limites e alcances da condição social do indivíduo como um todo.
Talvez, fruto de seu trabalho de sua graduação e mestrado. Mas acima de tudo tenho certeza, por seu olhar atento sobre o mundo que nos cerca.
É enfermeira, doutora em Políticas Públicas e Formação Humana, professora universitária aposentada que, junto com seu companheiro Gilberto Paixão, resolveu viver o envelhecimento em movimento, andando por aí, morando em um Motorhome. Cada dia em um lugar. Esta transformação, de caráter material e existencial, gerou o Projeto Trilhando Vida, título do seu primeiro livro de crônicas,( ao qual me referí) de onde emergem os escritos, as reflexões que passam a fazer parte desta coluna. E a partir daqui passam a fazer parte também para nossa alegria do Jornal EXEMPPLAR.
Dommingos – escritor – jornalista e um observador constante do mundo

UMA VIRADA NA VIDA

Estamos vivendo, eu e meu marido, pela estrada, morando em um Motorhome. Uma casinha de 8m² sobre rodas, onde há tudo de que precisamos. Estas foram as primeiras reflexões que fizemos para a virada na nossa vida: o que é importante para nós? O que é realmente essencial? Creio que não há respostas ditas corretas para estas indagações. Para nossa vida, nessa fase de envelhecimento, precisamos de movimento do corpo, da mente e de encontros. Novos encontros que mobilizem afetos, que estimulem novas emoções.

De coisas materiais precisamos pouco agora. Já acumulamos muito: casa, carro, viagens, formação dos filhos, tudo muito caro, tudo dependente do nosso trabalho, o que fizemos com afinco. Não precisamos mais de espaço, não precisamos mais objetos, não precisamos mais dinheiro. Procuramos não romantizar essas reflexões, é a prática da vida, na verdade. Após trabalhar muito, criar os filhos, cada um levando suas vidas do seu jeito, a nós resta viver o aqui e o agora. Não temos mais muito tempo nesta vida na terra. Adaptamos nossa rotina para vivermos o universo dos nômades. É preciso usar pouca água para tomar banho, cozinhar, lavar louça e roupas. Nosso figurino, atualmente, é composto basicamente por roupas esportivas, de tecidos leves, fáceis de lavar e secar. Utensílios de cozinha, só os essenciais. Descobrimos que podemos fazer comidinhas gostosas mais baratas, mais saudáveis, com poucos ingredientes e usando poucos utensílios. Tenho consciência que isso só é possível nesse momento em que estamos vivendo nossa aposentadoria. É o ciclo da vida na sociedade capitalista. Infelizmente, nesse modelo de sociedade, é cada um por si, tendo todo mundo que trabalhar, e trabalhar até morrer. Nós organizamos nossa vida para romper esse ciclo e, pelo menos para nós, está funcionando! Moramos na estrada, não estamos passeando ou fazendo turismo, pelo menos nos moldes tradicionais. Mudamos nossa casa de lugar de vez em quando. Costumamos viajar pouco por dia, temos um roteiro prévio, mas esse não é fixo, pode ser mudado se encontramos um lugar interessante para ficar mais tempo ou, às vezes, não ficamos tanto tempo em um lugar previamente definido. Costumo dizer que há sempre, adiante, uma cidade interessante para morar e pessoas interessantes para conhecer. Nossa morada normalmente é em praças, parques, pátios da prefeitura ou da igreja matriz, amplos estacionamentos arborizados. Faz parte da nossa rotina vizinharmos com quiosques na praia que nos disponibilizam energia e água, às vezes de modo gratuito, às vezes, um precinho amigo negociado. Até agora não tivemos nenhum problema de relacionamento com nossos vizinhos. Não gosto de camping, os utilizamos raramente. Esses lugares são preparados para férias, não me parecem moradas, como as ruas e pátios que temos escolhido para morar. Temos feito muitos novos amigos, a vizinhança de casas fixas e, especialmente, os muitos nômades com os quais convivemos pelas estradas. Há alguns anos, estávamos eu e meu marido na nossa casa grande, vivendo um cotidiano cada vez mais sem graça, cada vez mais solitário. Demos uma virada, estamos bem! Vivemos cada dia, um a um, seguindo sempre até a próxima virada da vida.