A estrada é longa, parece interminável, passam ao lado a vegetação, as cercas, as plantações, de tanto em tanto uma estrutura de fazenda, placas com nomes criativos, porteiras, pequenos caminhos desenhados pelo tráfego próprio daquele local.
Pelos interiores do país afora, às vezes, durante a viagem, parece que não há vida nenhuma na volta. É possível rodar vários quilômetros sem nenhum movimento, nenhum carro, nenhuma edificação, nada! O contrário ocorre nas regiões metropolitanas onde o movimento é frenético, comboios de caminhões, picapes, carros de passeio de todo tipo, motos, utilitários com cargas as mais variadas. O cenário das estradas pode ser muito diferente dependendo de onde estamos, porém, há um elemento comum a todas elas, os andarilhos. Eles sempre me chamam a atenção. Estão por todas as estradas. Nas desertas são o único sinal de vida que se vê, nas movimentadas, se misturam com o movimento local, mas são inconfundíveis. É possível perceber que não são dali, são da estrada. Quase a totalidade são homens, de todas as idades, portam objetos pessoais em mochilas surradas. Às vezes carregam algum utensílio tipo caneca, garrafa, alguma pequena panela, pendurados na mochila. Coisas suficientes para preparar alguma refeição, eu acho. Os andarilhos certamente são pobres, usam calçados inadequados, muitas vezes, chinelos. Suas roupas são desgastadas, quase esfarrapadas. Andam a pé, entre as fazendas ou empresas, entre uma ocupação e outra. No meio rural trabalham em atividades temporárias, normalmente nas colheitas. Nas cidades fazem todo tipo de biscate. Quando acaba o serviço em uma cidade, seguem para outra. É possível conviver um pouco com os andarilhos nos pontos de apoio pela estrada. Gosto de conversar com eles. As histórias são muito semelhantes, perambulam em busca de trabalho, têm pouco estudo, nada de profissionalização, oportunidades quase nulas. Já se distanciaram de suas famílias, vínculo afetivo quase nenhum. Contam sobre filhos, família que ficou em algum lugar. Os andarilhos não têm uma casa para onde voltar depois do trabalho ou as suas casas estão distantes, o jeito é seguir caminhando. O que ganham é basicamente para a sobrevivência. Dormem em qualquer lugar. Quando estão trabalhando, a cama é no local, em barracas no meio das plantações ou em alojamentos precários. Nos pontos de apoio onde conversamos, dormem na rua, nas marquises dos restaurantes ou em alguma carroceria de caminhão quando o motorista permite. É comum ver andarilhos se alimentando das sobras dos clientes dos restaurantes ou de alguma marmita fornecida por algum estabelecimento. Nos pontos de apoio descansam, conversam, aproveitam para tomar um banho quando têm sabonete e roupa para trocar. Triste vida a dos andarilhos. Pobres criaturas com suas pobres histórias. Saem das cidades onde não há trabalho, já se esgotaram todas as suas possibilidades de vida digna. Já ouvi história de andarilhos que saem para a estrada para fugir. Estão em fuga por envolvimento com crime, com traficantes, por ameaça de morte devido a dívidas ou coisas do tipo. Nessas situações o jeito é sumir, sair andando e sobrevivendo como dá, na intenção de ser esquecido por alguém que lhes quer encontrar para um acerto de contas. Andar pelas estradas lhes parece mais seguro, eu acho.
Sempre que vejo um andarilho pela janela da minha casinha penso nas histórias que já ouvi, penso em suas famílias, em seus afetos deixados para trás. Penso nos filhos que, certamente, todos têm. Penso nas mulheres a criá-los sozinhas. Sinto o peso da desigualdade em que vivemos, fico triste. Logo, o andarilho fica para trás e some do meu retrovisor. À frente, uma linda paisagem me conforta!














A estrada nos proporciona estas histórias interessantes.
Realmente um situação crescente nos tempos atuais.
Cruzamos com muitos …
Mais um texto para reflexão…
É verdade! A situação provoca a reflexão. A reflexão gera a crônica.
Alguns ficam tão acostumados com essa vida que não conseguem fixar residência ainda que seja ofertado pelo poder público ou familiares. É certo que este é um estilo de vida que nos parece desconfortável, mas quem nunca pensou em pegar a estrada deixando tudo para trás? Heheh. Essa também é uma reflexão possível. Muitas vezes carregar uma vida cheia de horários, compromissos a honrar, deixar de fazer o que se quer em prol do outro pode algo escravizador. Temos casos assim aqui na nossa cidade.
Obrigada pelo olhar atento. Obrigada pelo comentário!
Elida, meu coração andou junto com esses andarilhos que te acompanham na janela de tua casinha e de nossa impotência. Haja estrada neste país pra comportar tantas histórias e tão poucas esperanças.
E tem muitos…Obrigada por estar conosco aqui no Exempplar!
Simm, Andarilhos possuem muitas histórias e muitas vidas! Ampliar nosso olhar pros arranjos que cada um faz pra tocar a vida, é no mínimo humano.
Vidas e histórias! Muitas pelo caminho…
Andarilhos caminham pelas estradas, carregando seus amores e desafetos no pensamento. Quem mesmo nunca se encontrou com um deles? Quem já não quis ser um deles, a sumir no horizonte para contemplar à distância os desatinos?
A crônica gerando reflexões! Que bom! Obrigada pelo comentário!
Histórias bem interessantes ….
E tem muitas!
Fiquei pensando a gente vive a nossa vida ,as vezes nos queixando de tudo,e não imagina o quão de tristeza , desigualdade que ainda existe no mundo.
Minha mãe faleceu em 2.020 aos 90 anos e sempre falava ,que qdo era menina existia bstt andarilhos e ligeras pelas estradas.
Andarilhos eram pessoas de bem ,que por A ou por B tiveram alguma desilusão,ou simplesmente cansaram de viver em sociedade ,mas eram boas pessoas.
LIGERAS: eram homens que cometeram crimes,ou eram procurados ou eram alcólatras.
Estes sim normalmente andavam com facas,e era muito perigoso dar pouso nos galpões.
Eram violentos e perigosos,tinha que saber distinguir,mas meu vô e todos daquela época,sabiam diferenciar, até no no modo de caminhar ,falar e olhar.
Na época meu avô deu alimento e pouso no galpão,na madrugada o Ligera foi embora ,mas só depois de ter estrupado a cadela que dormia no galpão.
Fiz todo este textão, só para explicar a diferença e como eram chamados o bom e o mau.
Minha mãe contava muitas histórias,dos Ligeras e andarilhos.
O texto te provocou lembranças. Que bom que estás aqui no Exempplar. Obrigada
Excelente relato.
Obrigada. Continue conosco por aqui também.
Realmente as vz eu acho que essas pessoas se encontram nessa vida. Deixando familiares casa conforto filhos vida social tudo fica para traz e se realizam assim. Como dizem cada um escolhe como quer viver.
Se for uma escolha, tá tudo certo né?
Obrigada pelo comentário
As imagens duras que se constratam com as leves e que amassam a alma. Ser testemunha e ter o testemunho dessa gente sofrida é lidar com a urgência de nossa obrigação de entender melhor o envolvimento pulha de nossos representantes parlamentares, governadores e prefeitos, dos grandes empresários e dos bancos com o crime organizado. Todos eles abocanhando os recursos públicos que poderíamos destinar às ações sociais, à investimentos reais na pasta da educação e de moradia.
Uma realidade muito triste desses andarilhos,muitas histórias de fuga repletas de dramas pessoais
Isso mesmo! Tristes vidas as que encontramos!
Pois é, parceira nômade! Nós sentimos isso todo dia pelo caminho!
Oi Viajante. Ao ler este texto, fico pensando quantas histórias cada um trás, histórias de abandono, busca de novas expectativas, viajantes do tempo. Enfim que Deus os acompanhe.
Oi leitora querida. Eu também fico reflexiva ao ver andarilhos.
Crónica sensível, que nos provoca reflexões. Muitas, histórias, distintas realidades.
As histórias são intermináveis e instigantes por aí…